A Peninsula

Sunday, March 23, 2008

1. MERGULHO E VÔO - A FACA - Reflexões Sobre a Comunicação - Março/2007

A Faca

- O tantata amaieio! O tantata amaieio! Tenho medo do tantata amaieio!, diz Pedrinho, correndo entre os pais, tios e avós em sua casa.
- Socoio, socoio, o tantata amaieio!
Com 2 anos e 10 meses, Pedrinho quer alguém para fugir com ele. Uma tia resolve vir em seu auxílio, depois do pai traduzir: era o fantasma amarelo. Ninguém sabe de onde surgiu, nem o que ele faz. Mas Pedrinho quer correr dele, em torno da casa rodeada pelo jardim.
- Vamos pocuiá o tantata amaieio, diz Pedrinho, segurando em sua mão.
Após 2 voltas, a tia, com seus 45 anos, não agüenta o pique do menino e senta. Ele segura seu rosto com as duas mãozinhas e diz:
- Vamos, o tantata amaieio tá cegando.
- Pedrinho, deixa eu te explicar: o fantasma amarelo é invisível...
- Se ele é amarelo, como pode ser invisível?, implica o pai de Pedrinho.
- Ô, seu chato, não enche. Então, Pedrinho, o fantasma amarelo é invisível, a gente não consegue ver. Mas quando passa, ele deixa um sinal. Tá vendo essa faixa amarela no calção do Pedrinho? Foi o fantasma amarelo. Tá vendo esse tracinho amarelo no meu biquini? Foi o fantasma amarelo. Mas a gente não consegue vê-lo.
- Ah! Mas eu queio achá o tantata amaieio. Vamos, tia, vamos.
Impossível resistir àquele menino sorridente, alegre e brincalhão, apaixonado por caminhão de bombeiros.
- Tá bom, Pedrinho. Então vamos achar onde o fantasma passou. Mas vamos devagar.
- No vestido da Vovó Vany, no boné do Vovô Isaac, na blusa da Tia Merinha, no chinelo do Tio Gui.
Passando para a frente da casa, mais sinais do fantasma. Num vasinho, na rede onde sua mãe descansa. Na piscina nos fundos da casa, seus dois primos lhe acenam.
- Ei, vocês vilam o tantata amaieio?, pergunta o detetive mirim.
- Não, responde Rafael.
- Mas ele passou por aí, diz a tia. Olha a fitinha do Bonfim no pulso do Gabriel. O guarda-sol, a espreguiçadeira, olha o focinho da foquinha - a bóia.
Gabriel e Rafael não entendem e a tia explica.
- É Pedrinho, a gente não viu. Ele esteve por aqui. Só que ele já foi embora!
- Vamos pocuiá o tantata amaieio?, repete sem parar, puxando sua tia.
No jardim, cercado por tela para defender das cachorras, a tia mostra:
- Pedrinho, olha aquela florzinha. O fantasma passou por aqui.
- Que linda!, diz o menino.
- Tantata amaieio, apalece, fala, esquecendo o medo.
Pegando a mão da tia, recomeça o circuito.
À noite, a tia está cansada e feliz. Cansada de tentar acompanhar o pique daquele foguetinho humano. Feliz com o seu comentário:
- Vó, a tia Isse é uma menina!
Desde então, o “tantata amaieio” visita a tia Isse nos livros, nas ruas, nos sonhos.

***************

Quando nascemos, não distinguimos nada fora de nós. Não precisamos – e ainda não sabemos -, falar sobre o exterior, pois ele não existe. Tudo é nós!
Nosso primeiro contato com o mundo é com os olhos de quem nos alimenta. Seja o seio da mãe, seja quem segura a mamadeira. Numa relação amorosa, a mãe fala conosco enquanto nos nutre. Aprendemos sobre as palavras, o diverso, o espelho, olhando em seus olhos.
Para o criador da Epistemologia Genética, Jean Piaget, auto-definido como “antigo-futuro-filósofo que se transformou em psicólogo e investigador da gênese do conhecimento”, “o ‘egocentrismo’ na linguagem infantil implica a ausência da necessidade, por parte da criança, de explicar aquilo que diz, por ter certeza de estar sendo compreendida. (...) implica a noção de centração e descentração, isto é, a capacidade da criança de considerar a realidade externa e os objetos como diferentes de si mesma e de um ponto de vista diverso do seu.
Conclui que a construção do mundo objetivo e a elaboração do raciocínio lógico consistem na redução gradual do egocentrismo, em favor de uma socialização progressiva do pensamento”. Primeiro, aprendemos que existe o mundo. Depois, a falar sobre ele. Descobrimos em relação, mas ainda não é um diálogo. Apresentamos o nosso mundo e nos encantamos com o que nos mostram dentro dele. Aprendemos que existe o espaço que somos nós, e os que são os outros.
Podemos não saber como segurá-la mas, das mais variadas maneiras, começamos a usar a Faca e recortar nosso contorno. Como nas roupas das bonequinhas de papelão da infância.

1 Comments:

Blogger Andrea said...

Oi, Clarisseeeee!!!!!!
Acabo de me divertir e me encantar com o tantata amaieio! Gostei muito do seu texto!
Precisamos nos falar. E preciso te mandar uma coisa pelo correio que faz pelo menos uns zil anos que está na minha prateleira, esperando a gente se encontrar. Dica: é um presente. Outra dica: é um livro. Outra ainda: um livro que vc vai adorar (se é que ainda não tem, mas isso é o de menos a essa altura do campeonato...)
Me manda um e-mail? Não esquece de mandar seu endereço, tá?
Beijos,
Andrea (de Arruda Botelho)

3:29 PM  

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