A Peninsula

Saturday, May 10, 2008

6. MERGULHO OU VÔO? - Reflexões Sobre a Comunicação

Mais um sábado.
Dessa vez no bairro do Brás. Oficina de redação com vendedores e voluntários da Ocas, entidade que trabalha com moradores em situação de rua.
A pauta é uma academia de boxe embaixo do viaduto do Bixiga. Sérgio, um dos vendedores, subira no ringue com uma lutadora e, no primeiro soquinho, fora à lona.
Improvisamos um exercício de tela mental, método desenvolvido pelo prof. Edvaldo Pereira Lima.
- Vamos fazer um exercício sobre a luta. As lutas do dia a dia, as lutas de cada um. Fechem os olhos, soltem os ombros, relaxem o pescoço, sacudam os braços. Olha a respiração.
- Agora imaginem uma tela branca em frente aos olhos de vocês, mas sem abrir. Só imaginem.
- O que vocês vêem?
- Agora essa imagem vai sumindo, sumindo, até desaparecer.
- Aos poucos, abram os olhos. Agora escrevam o que vocês viram, mas sem parar. Não importa que errem, não parem de escrever. Nem voltem para corrigir.
- Podem começar.
Histórias de luta, todas únicas, brotam dos mais distantes cantos do país.

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Pesquisa realizada com portadores de deficiência visual, que ganharam a visão após cirurgia, demonstra que se aprende a enxergar, desenvolve-se. Algumas pessoas que passam a ver pela primeira vez, só distinguem sombras e sentem vertigem, pois os contornos se descobre através de exercício.
O mesmo podemos dizer do ato de escrever, seja para um periódico, seja para si mesmo. Exercício constante, quase um treino para libertar a percepção do mundo que está a nossa volta. Aprender a enxergar.
A experiência de conhecer o Jornalismo Literário abriu dois caminhos. E uma dificuldade. Os caminhos são o de mergulhar em algo, uma pessoa, um assunto. E o tirar a cabeça de volta, para distanciar-se e ver o que ficou.
A dificuldade é selecionar entre tudo o que se vê.
Mergulho ou Vôo? Esse é o grande desafio.
Falar sobre a realidade, escrever a respeito, depende em primeiro lugar de conseguir enxergá-la. Depois, de se permitir deixar levar por ela e deixá-la mostrar o que não se previra.
Mas não pode ficar só nisso. Conhecimento não partilhado não serve para nada. Precisa de maturidade, entrega, vontade de conhecer. E de mostrar ao outro. Um encontro, mesmo que permeado por páginas de papel ou pela tela de um computador.
Paramos de dialogar, como fazê-lo agora? Como reatar os fios de nossa expressão no mundo? E como saber se o que queremos dizer merece ser ouvido?
Os Sete Pilares do Jornalismo Literário são um guia fundamental: imersão no tema; humanização do (os) personagem (ns), responsabilidade, exatidão de informações, criatividade, estilo e simbolismo.
“A produção de textos narrativos de qualidade, centrados na vida real, envolve dois momentos distintos. O primeiro momento é aquele em que o autor realiza um mergulho destemido na experiência de interação com o cenário de ações, ambientes e personagens sobre o qual escolhe reportar. (...) O segundo ocorre quando o autor afasta-se dali, da intensidade interativa imediata, para permitir que a psique encontre o sentido pleno da experiência que viveu, assim como da experiência vivida pelos personagens de sua narrativa do real. (...) O propósito de uma boa matéria de Jornalismo Literário, e mais ainda, de Jornalismo Literário Avançado, deve ser o de buscar compreender o universo escolhido para abordagem. Significa integrar informações, encontrar associações entre elementos do mundo observado, entender o melhor possível o padrão de forças que conformaram a manifestação da realidade tal qual o repórter encontrou”, afirma o Prof. Dr. Edvaldo Pereira Lima5, coordenador da Pós Graduação em Jornalismo Literário.
São as escolhas. Podemos mostrar o mundo por seus números ou por suas histórias. Essa nova retomada do Jornalismo Literário no espaço jornalístico e editorial brasileiro, denuncia uma vontade de redescobrir quem é o outro, de suavizar as falas, mesmo as mais difíceis. Abrir-se e dar o melhor de si. Mergulhar para ganhar impulso e lançar Vôo!

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