A Peninsula

Saturday, May 10, 2008

LIÇÕES DO LIXO

Desde que nascemos, consumimos.
Consumimos leite, da mãe, da vaca, de soja, em pó, em queijo...
Consumimos roupas , móveis, objetos, afetos, atenções. E aprendemos a pedir.
Depois que o comércio, a indústria e a publicidade descobriram o adolescente, e mais recentemente as crianças, como mercado, aprende-se a pedir cada vez mais cedo.
Com o desenvolvimento da tecnologia, coisas cada vez mais sofisticadas e efêmeras.
O próximo avanço sempre estará presente no próximo lançamento. E com eles, metais pesados que a natureza ainda não aprendeu a lidar. Os homens, menos ainda.
O que pedimos e nos dão – ou damos -, sai de algum lugar. Tem um percurso de nascimento – seja uma pessoa, uma idéia, um produto, uma verdura -, crescimento, maturação, envelhecimento e morte.
Entender que quase tudo pode ser reciclado, é o primeiro passo. “Mas a reciclagem não dá conta de todo o problema, A redução do consumo e do desperdício é essencial”, palavras de Rita Mendonça, no livro “Como cuidar do seu ambiente”.
Quanto mais queremos e consumimos, mais a Terra se desgasta. Independente de teorias que mostram este planeta como um ser auto-regulador, nosso ritmo de extração é tão predatório, que periga a Mãe Terra cansar desses filhos e resolver se auto-regular sem nós.

7. MERGULHO OU VÔO! Reflexões Sobre a Comunicação

No MSN:
Clarisse diz:oi tens uns minutinhos?
Joao diz:yes.
Clarisse diz:tô começando a feitura do texto.
A carpintaria, como se diz no teatro, mas fico um pouco confusa com o foco.
Ler teu texto sobre a descoberta da saudade me trouxe algumas questões tb.
Ali tens bastante informação, sem ser demais
E não perdes o foco, q são as descobertas do Felipe.
Eu tenho mto material e ainda estou um pouco confusa com o foco, pois talvez sejam dois.
Bem geminiana!
Joao diz:vai falando, falando e você acaba descobrindo.
Clarisse diz:a primeira idéia era falar sobre o time de futebol mais antigo do Brasil, passou para ser entender como o futebol, estrangeiro, se tornou a cara do Brasil.
Aí cheguei no movimento antropófago e a vontade de relacionar os dois.
Joao diz: quando estou com muita coisa o que eu faço é o seguinte:
Faço um título que resuma bem o espírito do texto.
E depois faço um olho, que introduz o leitor no texto, que também tem que ser um resumo do que eu quero dizer de essencial com o texto.
Aí começo o texto propriamente dito sem perder de vista o título e o olho.
Pense em um foco só.
E depois o texto vai pedindo (ou não) as outras coisas.

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Ao instrumental teórico e prático recebido durante a Pós Graduação em Jornalismo Literário, somo os conselhos de Ítalo Calvino, em suas seis propostas para o milênio que estamos vivendo. Servem tanto para o escrever, quanto para nossas relações em época de agitação. E todas o são, em algum ponto.
Leveza. “A leveza para mim está associada à precisão e à determinação, nunca ao que é vago ou aleatório”.
Rapidez. “A narrativa é um cavalo: um meio de transporte cujo tipo de andadura, trote ou galope, depende do percurso a ser executado, embora a velocidade de que se fala aqui seja uma velocidade mental”.
Exatidão. “Para mim, quer dizer três coisas: 1) um projeto de obra bem definido e calculado; 2) a evocação de imagens visuais nítidas, incisivas, memoráveis; 3) uma linguagem que seja a mais precisa possível como léxico e em sua capacidade de traduzir as nuanças do pensamento e da imaginação”.
Visibilidade. “... diversos elementos concorrem para formar a parte visual da imaginação literária: a observação direta do mundo real, a transformação fantasmática e onírica, o mundo figurativo transmitido pela cultura em seus vários níveis, e um processo de abstração, condensação e interiorização da experiência sensível, de importância decisiva tanto na visualização quanto na verbalização do pensamento”.
Multiplicidade. “Mesmo que a ciência tivesse reconhecido oficialmente o princípio de que o observador intervém para modificar de alguma forma o fenômeno observado, (Gadda) sabia que ‘conhecer é inserir algo no real; é, portanto, deformar o real”.
A sexta proposta, Consistência, Calvino morreu sem escrever, deixando apenas o título. Como se nos dissesse: agora é com vocês, escrevam!
Nova etapa, novos caminhos a desbravar. Encantamentos e dores a perceber no mundo e descobrir como lhes dar voz.
Mergulho e Vôo!O guia? Pode ser o fantasminha amarelo de Pedrinho. A realidade também deixa marcas por onde passa.

6. MERGULHO OU VÔO? - Reflexões Sobre a Comunicação

Mais um sábado.
Dessa vez no bairro do Brás. Oficina de redação com vendedores e voluntários da Ocas, entidade que trabalha com moradores em situação de rua.
A pauta é uma academia de boxe embaixo do viaduto do Bixiga. Sérgio, um dos vendedores, subira no ringue com uma lutadora e, no primeiro soquinho, fora à lona.
Improvisamos um exercício de tela mental, método desenvolvido pelo prof. Edvaldo Pereira Lima.
- Vamos fazer um exercício sobre a luta. As lutas do dia a dia, as lutas de cada um. Fechem os olhos, soltem os ombros, relaxem o pescoço, sacudam os braços. Olha a respiração.
- Agora imaginem uma tela branca em frente aos olhos de vocês, mas sem abrir. Só imaginem.
- O que vocês vêem?
- Agora essa imagem vai sumindo, sumindo, até desaparecer.
- Aos poucos, abram os olhos. Agora escrevam o que vocês viram, mas sem parar. Não importa que errem, não parem de escrever. Nem voltem para corrigir.
- Podem começar.
Histórias de luta, todas únicas, brotam dos mais distantes cantos do país.

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Pesquisa realizada com portadores de deficiência visual, que ganharam a visão após cirurgia, demonstra que se aprende a enxergar, desenvolve-se. Algumas pessoas que passam a ver pela primeira vez, só distinguem sombras e sentem vertigem, pois os contornos se descobre através de exercício.
O mesmo podemos dizer do ato de escrever, seja para um periódico, seja para si mesmo. Exercício constante, quase um treino para libertar a percepção do mundo que está a nossa volta. Aprender a enxergar.
A experiência de conhecer o Jornalismo Literário abriu dois caminhos. E uma dificuldade. Os caminhos são o de mergulhar em algo, uma pessoa, um assunto. E o tirar a cabeça de volta, para distanciar-se e ver o que ficou.
A dificuldade é selecionar entre tudo o que se vê.
Mergulho ou Vôo? Esse é o grande desafio.
Falar sobre a realidade, escrever a respeito, depende em primeiro lugar de conseguir enxergá-la. Depois, de se permitir deixar levar por ela e deixá-la mostrar o que não se previra.
Mas não pode ficar só nisso. Conhecimento não partilhado não serve para nada. Precisa de maturidade, entrega, vontade de conhecer. E de mostrar ao outro. Um encontro, mesmo que permeado por páginas de papel ou pela tela de um computador.
Paramos de dialogar, como fazê-lo agora? Como reatar os fios de nossa expressão no mundo? E como saber se o que queremos dizer merece ser ouvido?
Os Sete Pilares do Jornalismo Literário são um guia fundamental: imersão no tema; humanização do (os) personagem (ns), responsabilidade, exatidão de informações, criatividade, estilo e simbolismo.
“A produção de textos narrativos de qualidade, centrados na vida real, envolve dois momentos distintos. O primeiro momento é aquele em que o autor realiza um mergulho destemido na experiência de interação com o cenário de ações, ambientes e personagens sobre o qual escolhe reportar. (...) O segundo ocorre quando o autor afasta-se dali, da intensidade interativa imediata, para permitir que a psique encontre o sentido pleno da experiência que viveu, assim como da experiência vivida pelos personagens de sua narrativa do real. (...) O propósito de uma boa matéria de Jornalismo Literário, e mais ainda, de Jornalismo Literário Avançado, deve ser o de buscar compreender o universo escolhido para abordagem. Significa integrar informações, encontrar associações entre elementos do mundo observado, entender o melhor possível o padrão de forças que conformaram a manifestação da realidade tal qual o repórter encontrou”, afirma o Prof. Dr. Edvaldo Pereira Lima5, coordenador da Pós Graduação em Jornalismo Literário.
São as escolhas. Podemos mostrar o mundo por seus números ou por suas histórias. Essa nova retomada do Jornalismo Literário no espaço jornalístico e editorial brasileiro, denuncia uma vontade de redescobrir quem é o outro, de suavizar as falas, mesmo as mais difíceis. Abrir-se e dar o melhor de si. Mergulhar para ganhar impulso e lançar Vôo!

5. MERGULHO E VÔO - SENSAÇÃO DE ABISMO - Reflexões Sobre a Comunicação

Vir do extremo sul do Brasil para as salas de aula da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) é, sem dúvida, uma revolução interna de proporções inimagináveis.
Saí das duas horas e meia de banca de seleção com uma quase certeza, e uma certeza absoluta.
A quase era que havia sido aprovada. A total era que, se fosse verdade, faria aulas com aquele professor que me havia feito as perguntas mais interessantes, mais instigantes.
Fui procurar seu nome. Ainda não sabia do inevitável da Sincronicidade, ou dela me esquecera, depois das aulas de Psicologia. Mas estava lá, datilografado. Laymert Garcia dos Santos.
Não acredito, é ele!
Descobrira Laymert ao encontrar o texto básico para meu projeto de tese. Trabalhando como psicóloga de presídio, o “Discurso da Servidão Voluntária”, de Etienne de la Boétie foi como um sopro de ar novo... ou um soco no estômago! Considerado o primeiro hino à Liberdade já escrito, - e também o pioneiro a falar sobre a importância da opinião pública -, o texto data de aproximadamente 1570.
Na minha limitada definição, eu o apresento assim: que alguém queira mandar, se entende. Mas por que tantos aceitam obedecer?
Laymert faz a tradução e apresentação do texto.
As previsões se realizam e cumpro minha promessa por três anos seguidos. A cada novo curso, minha cabeça se enche com mais e mais questões novas, como se estivesse desbravando um mundo escondido.

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As aulas de Laymert Garcia dos Santos na Pós Graduação da UNICAMP são inesperadas. Os títulos pouco dizem, o conteúdo segue roteiro muito próprio.
No ano de 1989, a turma de Pós Graduação estuda a Guerra de Canudos. Ou melhor, três maneiras como falaram sobre ela: através das matérias jornalísticas da época, literatura inspirada na guerra e Os Sertões, de Euclides da Cunha.
No fundo, o conteúdo é: o que a gente percebe do que vive? E como diz o que percebe?
Isso é o que fazemos o tempo todo, todos os dias. Seleções! Muitas vezes doutrinadas, condicionadas. E quebrar referenciais é cair num mundo desconhecido. Como Dorothy, em O Mágico de Oz.
Uma Sensação de Abismo. Como se não coubéssemos em nós, fôssemos sair pela boca.
“Dizer é momento. Momento em que se quer o que se pode, e já se pode o que se quer. (...) Dizer é difícil, extremamente difícil. (...) Séculos e séculos de servidão formaram, transformaram, refinaram as forças da morte em vida. (...) É a ‘guerra dos órgãos´. Insurreição generalizada, mas sempre local. Descontrole”, diz Laymert Garcia dos Santos. E acrescenta: “Dizer é dicção. Dicção cujo tempo é sempre presente, sempre dizendo . (...) As bocas fazem circular a linguagem triunfante da ordem. Como captar essa circulação? Dito de outro modo: como ouvi-la?”